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sábado, 2 de outubro de 2010

Poder Judiciário: Comunicação e construção de uma nova imagem

Ao ser convidada pela organização do III Congresso Brasileiro de Comunicação no Serviço Público, realizado em agosto de 2003, em São Paulo, pela MegaBrasil, para falar sobre o tema "A comunicação e a construção de uma nova imagem do Poder Judiciário", logo percebi que estava diante de um grande desafio. Inegável o espaço conquistado na mídia pelo Poder Judiciário, a partir do fim dos anos 90. Entretanto, era preciso desconstituir a idéia de que ter visibilidade é ter imagem e, conseqüentemente, credibilidade.
Aproveito para divulgar este texto no momento em que o Observatório da Imprensa coloca no ar a pergunta "A mídia tem razão ao criticar o Judiciário?" [urna eletrônica da edição nº 249, 4/11/03], e também na semana em que o Conselho Federal da OAB acaba de divulgar o resultado de pesquisa na qual revela, numa lista de sete instituições, que o Poder Judiciário aparece em quinto lugar no item credibilidade, como seguem: Igreja (74%), Imprensa (60%), Presidência da República (58%), Advocacia (55%), Poder Judiciário (39%), Ministério Público (37%) e Congresso Nacional (34%).
Diz ainda a pesquisa que "há 84% de razões negativas a respeito do Poder Judiciário contra apenas 22% de razões positivas. A principal razão negativa é "Por haver muitos juizes envolvidos em escândalos/ lavagem de dinheiro/ corrupção/tráfico de drogas" = 35%. O sentimento de que "não cumprem as leis e fazem a justiça privilegiando os ricos", com 27%, é a segunda razão mais citada. A razão positiva mais destacada é "Por tentarem, se empenharem para poder aplicar e promover a justiça", com 17%. As demais, positivas, não têm densidade.
A pesquisa do Conselho Federal da OAB é a prova concreta de que o Poder Judiciário tem visibilidade, mas sua imagem ainda precisa ser melhorada, a partir da implementação de novas políticas na administração pública. Enquanto isso não ocorrer, não só a Mídia, mas toda a sociedade, terá sua razão ao criticar a Justiça.
A partir da Constituição de 1988, muda o perfil da magistratura, do servidor público e do cidadão. No livro Corpo e alma da magistratura brasileira, os pesquisadores Luiz Werneck Vianna, Maria Alice Rezende de Carvalho, Manuel Palácios Cunha Melo e Marcelo Baumann Burgos, em pesquisa encomendada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), mostram que muda a estrutura do corpo da magistratura com a juvenilização e a feminilização da magistratura, e deflagra-se uma luta surda: o tradicional versus o novo.
Queixas da sociedade
Muda também o perfil do servidor. Em vez da indicação política começam a ingressar na carreira servidores concursados, que gozam de estabilidade, e fortalecem-se as organizações dos servidores, que passam a questionar, inclusive, as decisões administrativas dos tribunais. Se por um lado, os sindicatos estão mais organizados e desenvolvem uma política de aproximação com os servidores, por outro, os setores de Recursos Humanos não se prepararam para implementar mudanças no clima organizacional. A falta de uma política voltada para a valorização dos recursos humanos acarreta na manutenção de vícios do serviço público: permanece o excesso de burocracia, a falta de liderança e criatividade, resultando em servidores desmotivados.
Nasce um novo cidadão, que passa a buscar mais seus direitos, a exigir das organizações públicas mais eficiência e a cobrar pelos serviços que ele paga com seus impostos. Aumentam as demandas na Justiça, e nem a criação dos Juizados Especiais conseguiu dar uma resposta mais rápida aos conflitos. Insatisfeito, esse novo cidadão reclama da morosidade da Justiça, e o velho ditado de que "A Justiça tarda, mas não falha" já não convence mais.
Surge um novo poder. O Ministério Público passa a ser o guardião dos direitos constitucionais. Ingressam na carreira jovens promotores de Justiça e a instituição como um todo também passa por um processo de juvenilização. Com as novas atribuições, o Ministério Público reformula suas ações e passa a ser um espaço para receber as queixas da sociedade. Multiplicam-se as ações civis públicas e o Ministério Público se transforma em fonte de pautas para a imprensa.
Crises e causas
Ocorre que o Poder Judiciário não estava preparado para tantas mudanças. Já se passaram 15 anos desde que foi promulgada a Constituição, e hoje já é possível perceber uma maior preocupação com a democratização do Poder, mas ao longo de todo esse período foram enfrentadas várias crises.
Arrisco-me dizer que, de um modo geral, a comunicação dos Poderes encontra-se diante de uma crise de legitimidade. Não basta ter o poder da decisão para ser legítimo, é preciso ter aceitação dos seus públicos. Aceitação essa dos próprios juízes, dos servidores e da sociedade. Como bem disse o professor e mestre em Direito Constitucional Osvaldo Agripino de Castro Júnior, no livro Democratização do Poder Judiciário (Editora Sérgio Fabris), "diante desse cenário, onde a Constituição garante ao cidadão mais direitos e os órgãos públicos não foram suficientemente preparados para atender a demanda, as organizações padecem de uma crise de legitimidade que, conseqüentemente, acarretará na falta de credibilidade". E, logo, pode-se deduzir que, se um poder não tem credibilidade sua imagem é desgastada. Se formos mais adiante, vamos nos indagar: o cidadão vai confiar num poder que sofre de crise de legitimidade, credibilidade e imagem?
As causas da crise de legitimidade são a ineficiência do Estado diante do aumento da demanda (excesso de formalismo legal, pouca estrutura, aumento dos litígios etc.), a onda de denúncias (nepotismo, corrupção e corporativismo), a resistência da parcela tradicional da organização em aceitar as mudanças e a falta de investimento na área de recursos humanos, segundo Oswaldo Agripino. A crise também ocorre pela carência de política de comunicação, capaz de estabelecer um canal de diálogo com os vários públicos interno e externo da organização.
Coerência e transparência
Impossível escapar das conseqüências da crise de legitimidade, complementa o professor Oswaldo Agripino. Aumenta o grau de insatisfação da opinião pública, aumenta a tensão entre os representantes dos servidores e os administradores do Poder, aumenta a fiscalização da imprensa e da sociedade civil organizada.
O país vive um momento de redemocratização. As instituições são passadas a limpo e nem mesmo o intocável Poder Judiciário escapa das críticas e da onda de denúncias. Diante da redemocratização do país, o Poder se vê obrigado a sair do silêncio para dar visibilidade às ações da organização. Ter visibilidade, entretanto, não é ter imagem, ainda mais se as atitudes do Poder não condizem com suas ações.
Os integrantes do Poder começam, então, a ver no assessor de imprensa o bombeiro que apagaria os incêndios, resultado dos anos de silêncio, do formalismo exacerbado e da predominância do juridiquês. O juiz não falava nem com a imprensa e nem conseguia se comunicar com o cidadão com suas indecifráveis sentenças. A linguagem é uma forma de dominação, e a lógica era: quanto menos pessoas entendessem, na prática, o resultado de um processo mais o poder estaria consolidado, mantendo o distanciamento entre o juiz e as partes. Nos processos administrativos, cabia outro velho ditado: "Manda quem pode, obedece quem tem juízo". E ao assessor cabia o papel de apenas divulgar as ações, ou seja, dar visibilidade".
Ocorre que a comunicação numa organização que enfrenta crise de legitimidade (aceitação) e, conseqüentemente, também padece da falta de credibilidade precisa ser coerente e transparente para que possa construir uma imagem real, buscar e receber o apoio dos seus públicos. De nada adianta a instituição dizer uma coisa e fazer outra. Ou fazer uma coisa e dizer outra.
Competências e princípios
A incoerência da organização é percebida pelos seus públicos (interno e externo). É o que Roger Cahen demonstra no livro Tudo que seus gurus não lhe contaram sobre comunicação empresarial (1990). Ele compara a comunicação a uma pirâmide de cristal, dividida em quatro blocos: atividades, atitudes, políticas e filosofias. As atividades são a ponta da pirâmide, a parte mais visível. Correspondem às ações de comunicação (campanhas, publicações e outras). Se for separada dos blocos será vazia. Um pouco mais abaixo estão as atitudes de cada indivíduo, de cada setor e da empresa. Enquanto as atividades são vistas, as atitudes são percebidas. A organização perde credibilidade quando as atitudes não condizem com as atividades.
No terceiro bloco, estão as políticas. As políticas são regras, regulamentos e procedimentos que servem como padrões na realização de tarefas, utilizando-se dos aparelhos ideológicos e dos aparelhos repressivos para gerenciar e regular conflitos. No quarto bloco estão as filosofias da organização. As filosofias são a base da pirâmide, onde todo o complexo se apóia. Elas definem a própria organização, seus objetivos, seus produtos e os serviços que oferece, o lugar, ou lugares, que ocupa a sociedade e sua função social. Uma pirâmide sem base estável prejudica a sustentação da imagem.
Ora, se a assessoria, tentando dar visibilidade ao órgão, planeja uma atividade, é preciso que haja uma coerência entre filosofias, políticas e atitudes, para que não se corra o risco de a assessoria dizer uma coisa e a organização fazer outra. Uma comunicação mal dirigida cria juízos de valor equivocados. É o caso de se pregar o discurso de que é preciso valorizar o servidor, e não elaborar regras claras sobre o plano de carreira na organização para que este servidor possa alcançar postos maiores.
É preciso lembrar que as filosofias das organizações públicas já estão definidas no texto constitucional. Na Constituição estão definidas competências, atribuições, estruturação, organização e princípios em que deve se pautar a administração pública. São princípios da administração pública a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência.
Notícia e acesso
O problema, portanto, não está na filosofia das organizações, mas nas políticas e atitudes. O princípio da administração pública elege a transparência como uma de suas filosofias, mas poucos são os órgãos que se arriscam a enveredar por este caminho. Também remete à impessoalidade, mas o que ainda existe é a pessoalidade, sendo, inclusive, a comunicação dirigida sob este aspecto, quando apenas o dirigente máximo da organização aparece. Fala em eficiência, mas poucos são os órgãos que conseguem dar uma resposta rápida aos anseios da sociedade. Fala em moralidade, mas casos isolados de corrupção colocam em xeque toda a organização e até o Poder.
No ano de 1995, durante o I Encontro Nacional dos Assessores de Comunicação da Justiça do Trabalho, realizado em Minas Gerais, o professor Gaudêncio Torquato apontou algumas das características que contribuíam para o desgaste da imagem. Segundo ele, as decisões da Justiça e a jurisprudência não eram massificadas, o Poder Judiciário era o mais fechado, inacessível, intocável, o que menos se modernizava e o mais gastador. De 1995 até os dias de hoje, muita coisa mudou. Os órgãos da Justiça investiram em tecnologia. Hoje é possível consultar um processo via internet. As assessorias de imprensa também se incumbiram de dar mais visibilidade às decisões judiciais. Criou-se, no país, um movimento, a partir das assessorias voltado para massificar as decisões e a jurisprudência, a buscar a aproximação com os profissionais da mídia. Poucos investimentos foram feitos na área da comunicação interna.
Este talvez seja o "calcanhar de Aquiles" do trabalho das assessorias.Todas as ações no sentido de dar visibilidade ao Poder não foram suficientes para construir uma nova imagem do Poder Judiciário. Temos visibilidade, mas não temos a imagem. Somos uma usina de fabricar notícias, mas nem todos os cidadãos conseguem entender a lógica do Poder e suas decisões. Pior: nem todos os cidadãos conseguem ter acesso à Justiça.
Área-fim e área-meio
Por isso é importante destacar que a assessoria de comunicação de qualquer organização pública só vai contribuir para aumentar o grau de legitimidade dessa organização no momento em que colocar a comunicação a serviço de quem procura por Justiça, facilitando o acesso do cidadão ao órgão. É o que se poderia chamar de democratizar a organização por meio da comunicação. Não basta apenas o release para o jornal informando sobre o rito sumaríssimo ou a criação de uma vara judicial. É necessário um folder endereçado ao litigante para que ele saiba de que forma isso vai melhorar sua vida e como ter acesso aos benefícios de determinada decisão administrativa ou judicial. E essa comunicação não pode ser um monólogo impositivo, numa via de mão única, mas um diálogo de mão dupla, no qual a organização possa dizer, mas também possa escutar seus públicos. Daí, a importância e a necessidade das ouvidorias externa e interna ou até, quem sabe, de um ombudsman.
As ações não podem ser focadas apenas no público externo. A comunicação deve e precisa ser um fator motivacional na organização para que todo o corpo de funcionários possa se identificar com a filosofia institucional voltada para democratizar o acesso do cidadão à Justiça. A imagem dessa organização será consolidada quando todos, dirigentes, juízes, servidores e assessoria, colocarem em prática o mesmo discurso. E, para isso, o público interno precisa estar motivado, trabalho este que precisa ser feito em parceria com as áreas de recursos humanos para que todos, inclusive a assessoria de comunicação, tenham compromisso com o cidadão e comprometimento. Para que a assessoria seja capaz de fazer além do release (notícia produzida pela assessoria). No compromisso, as pessoas são movidas pela responsabilidade. No comprometimento, pelo engajamento.
No meio jurídico, é muito comum os administradores relegarem a assessoria a segundo plano com uma frase típica da linguagem jurídica: a comunicação não é área-fim (ou seja, não lida diretamente com o processo). É área-meio. Difícil é quando a assessoria se vê diante de um administrador que só quer investir na área-fim.
Traços definidos
Como explicar a ele que a comunicação é área-fim, embora não lide diretamente com o processo? Isso vai depender da postura que o assessor adotar. Se a assessoria tem planejamento que facilite o acesso do cidadão à Justiça, democratize a organização, ela deixa de ser área-meio ou área-fim e passa a ser área estratégica. É por isso que deve merecer atenção, por parte das assessorias, o trabalho de sensibilização dos administradores públicos para que toda a organização possa compreender o importante papel que tem o assessor na democratização do Poder.
É importante estabelecer um canal de diálogo com a imprensa, mas a comunicação não pode e não deve se esgotar nas matérias informativas que levam em conta apenas o critério da factualidade. As assessorias precisam caminhar numa outra linha de atuação, investindo também na conscientização do cidadão, seja por meio da mídia ou de campanhas, como já fazem alguns tribunais de Justiça nos estados e a Associação dos Magistrados Brasileiros com o projeto Cidadania e Justiça. Como bem lembram o jornalista Ricardo Kotscho e o professor Bernardo Kucinski, a informação é um bem público, e não propriedade do governo. A informação é um direito, e não um favor. A informação é um requisito básico para o exercício de outros direitos, como o de escolher, de julgar, optar e participar. Sendo assim, cabe ao assessor encontrar várias formas de democratizar essa informação.
O excesso de burocracia, a falta de investimento em recursos humanos e a falta de modernização, tanto da estrutura quanto das leis, leva a um desgaste da imagem do Poder. Assim como a luta surda travada internamente nas organizações, entre os membros do próprio poder, e as posturas diferenciadas entre os servidores concursados e os indicados politicamente (salvo exceções), revela a indefinição da identidade do Poder, e um Poder sem identidade não pode ter uma imagem definida. Afinal, estamos falando de um velho ou de um novo Poder Judiciário. Ora, como ensina Gaudêncio Torquato, a imagem é a sombra, o retrato de uma identidade. Se o Poder não tem uma cara com traços definidos como terá uma imagem?
Grande desafio
No Judiciário, os assessores de comunicação estão buscando respostas para saber qual é o papel do comunicador público no país. Um novo caminho na história da comunicação pública neste país começou a ser desenhado no I Encontro dos Assessores de Comunicação do Judiciário Trabalhista. Em 2000, vieram somar os assessores de comunicação do Ministério Público, em encontro inédito das assessorias de comunicação da Justiça, reunindo tribunais de Justiça, do Trabalho, Regionais Federais e Secções Judiciárias, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e entidades representativas do Poder Judiciário e do Ministério Público (AMB, Ajufe, ANPT, ANPR, Anamatra). Foi o I Encontro Nacional dos Assessores da Justiça, realizado em São Luís (MA).
Em março de 2003, esses mesmos assessores fundaram o Fórum Nacional de Comunicação e Justiça, uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, que tem o objetivo de incentivar o desenvolvimento de uma política de comunicação nas organizações públicas voltada para a democratização do Poder e o incentivo à cidadania. As ações estão disponíveis no Canal Justiça .
Nos sucessivos encontros realizados até 2003, vários compromissos assumidos pelas assessorias, registrados nas cartas dos encontros, apontam para o caminho do compromisso com a informação pública, voltada para o cidadão e pelo direito à informação e a democratização do Poder por meio da comunicação, como se pode confirmar em trechos da Carta de São Luís, reafirmados em outros documentos:
"Os assessores de comunicação do Poder Judiciário e do Ministério Público vêm reafirmar que todo cidadão tem o direito constitucional à informação e que a transparência é dever das instituições públicas."
Sabem os assessores da Justiça que estão diante de um grande desafio: contribuir para a democratização do Poder Judiciário. Embora tenham o domínio da técnica da comunicação, esses assessores não podem perder de vista o contexto político, econômico e social em que estas organizações estão inseridas e a importância de seu trabalho para a construção de uma nova imagem do Poder Judiciário e também de uma nova Justiça.
É difícil. Mas não é impossível.
(*) Jornalista, presidente do Fórum Nacional de Comunicação e Justiça, presidente da Associação Maranhense de Imprensa, assessora de comunicação do Tribunal Regional do Trabalho do Maranhão
Publicado no Observatório da Imprensa em 18/11/2003

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